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A presidenta da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia, deputada Beatriz Cerqueira (PT), denunciou nesta segunda-feira (11/11/24, que o perfil das organizações sociais habilitadas pelo governo para gestão de escolas mostra os vícios do Projeto Somar.
Autora do requerimento do debate público “Privatização na rede estadual pública de educação e os impactos para a comunidade escolar”, a parlamentar questionou na segunda mesa do evento, à tarde: “Uma dessas Oss, que vai contratar professores, tem 210 processos no Tribunal Regional do Trabalho”, afirmou.
Promovido pela Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), o debate contou com a participação de membros da comunidade escolar e do Governo de Minas, além de pesquisadores e autoridades. O encontro foi dividido em duas mesas. Pela manhã, foram enfocados os modelos de privatização das escolas públicas e os seus impactos para a comunidade escolar. E à tarde, foi feito o balanço dos processos de privatização em curso na Rede Estadual de Educação.
Beatriz Cerqueira citou outras organizações credenciadas que também respondem a processos na Justiça do Trabalho, inclusive uma responsável pela gestão das escolas incluídas no projeto. “Acho que é uma regra (para habilitação) responder na Justiça do Trabalho”, ironizou. Afirmou ainda que relatório de auditoria do TCE demonstrou que a responsável pelas três escolas do projeto não prestou contas sobre a aplicação dos recursos.
De acordo com a deputada, outra associação selecionada atua na área de televisão aberta e outra tem como especialidade a gestão de usina fotovoltaica e iluminação pública. “Se não fosse a decisão liminar do Tribunal de Contas, poderíamos estar conversando com escolas sob a gestão de uma OS especializada em iluminação pública”, alertou. Ela disse ter a intenção de fazer audiência pública para avaliar as organizações sociais selecionadas.
Transparência
A promotora de Justiça Ana Carolina Zambom, do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Educação do Ministério Público do Estado, disse que Minas foi o único estado que optou por contratos com Oss, em vez de parcerias público-privadas.
Segundo ela, Minas também foi a única a transferir a terceiros a gestão de serviços pedagógicos, e não apenas atividades administrativas ou de serviços gerais. A promotora disse ainda que a transparência não pode ser só formal, um caminho tão longo e difícil que o cidadão não consiga acessar. “É incontroverso: falta transparência e consulta à comunidade escolar”, concluiu.
Também a analista de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado, Rachel Carvalho, avaliou que falta transparência ao projeto Somar, na forma como vem sendo conduzido pelo governo. “É preciso abrir esses indicadores e dar transparência a eles. O TCE terá oportunidade de analisar as três escolas. Precisamos saber para onde foram os professores e os alunos da EJA”, questionou.
Raquel Carvalho disse que não poderia comentar sobre as representações em andamento no Tribunal, mas confirmou que um dos credenciamentos realizados pelo governo foi suspenso.
Escolas do Somar têm notas piores que a média em alguns quesitos
Dados do Governo de Minas sobre as três escolas que participam do projeto Somar mostram que, em muitos quesitos, elas estão piores que a média das escolas estaduais. É o que apontou Diego Rossi, coordenador técnico do Dieese do Sind-Ute/MG. Para corroborar sua afirmação, o economista utilizou dados, como a taxa de aproveitamento – que extraiu com dificuldades de sites do próprio governo – do qual cobrou transparência.
Essa taxa indica o percentual de estudantes que tiveram aproveitamento igual ou superior a 65% em todos os componentes curriculares do ano de ensino. Segundo Rossi, das três escolas incluídas no projeto Somar, duas estão com taxas de aproveitamento piores que a média das escolas do estado.
As escolas estaduais Maria Andrade Resende, na Capital, e Coronel Adelino Castelo Branco, em Sabará (Região Metropolitana de Belo Horizonte), obtiveram, respectivamente, os percentuais de 73% e 75% na avaliação referente ao primeiro semente de 2024. No período, como a média estadual foi de 78%, só conseguiu nota melhor a escola Francisco Menezes Filho, em Belo Horizonte, que ficou com 83%.
O sindicalista também destacou que 38% dos estudantes não estão gostando da gestão privada em suas escolas. Entre 2022 e 2024, segundo ele, aumentou a avaliação negativa por parte desse segmento e também da comunidade escolar, esta com índice de 32%. Ele ressalvou ainda que só participaram da avaliação das escolas do Somar estudantes com boas notas. “Se os bons alunos já avaliaram negativamente, imagina aqueles com notas piores”, avaliou.
Já falando sobre a situação das cerca de 3400 escolas estaduais, Diego Rossi observou que os dados oficiais mostram que, entre 2022 e 2023, 60% delas obtiveram aumento da taxa de aprovação. Outro dado positivo foi que a taxa de abandono foi reduzida em 61% das escolas.
Pegando dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), lembrou que, no Estado, 182 escolas ficaram com esse índice acima da média nacional de 2023, que foi de 5.1. E que quase 65% dos estabelecimentos receberam notas entre 4 e 5.
“Precisamos aprender com as escolas que estão dando certo”, analisou ele, citando exemplos na Capital, na RMBH e em Governador Valadares. Ao final, reforçou que foi obrigado a sistematizar informações do governo para apresentá-las no debate. E que o governo, além de disponibilizá-las de modo mais acessível, deveria usá-las em proveito da melhoria da educação.
Projeto Somar exclui alunos da EJA
A coordenadora do Fórum Estadual Permanente de Educação de Minas (Fepemg), Analise de Jesus da Silva, denunciou que nas três escolas onde o Somar foi implantado, foram fechadas todas as turmas da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Também pedagoga e historiadora, com pós-doutorado na Universidade do Minho (Portugal), recordou que tese de mestrada orientada por ela mostrou esse abandono de alunos durante o ano letivo.
“As pessoas dessas três escolas foram direcionadas para outras, tendo que atravessar outras comunidades, muitas das vezes rivais”, criticou. Os dados demonstram o prejuízo na vida desses alunos: “de 339 matriculadas na EJA em 2021, apenas 58 fizeram matrícula em 2022 e apenas 13 em 2023; essas pessoas, entre as quais sete com deficiência, ficaram sem estudar, devido à privatização imposta pelo governo”. Para evitar novos problemas, Analise Silva entregou à Beatriz Cerqueira a proposta de um projeto de lei impedindo que o governo corte turmas da EJA nas escolas do projeto Somar.
Soluções inovadoras para o ensino básico
A subsecretária de Estado de Desenvolvimento da Educação Básica, Kellen Silva Senra, destacou que o Somar é um projeto estratégico do Governo de Minas, que propõe a parceria com organizações sociais sem fins lucrativos para garantir educação de qualidade. O objetivo é trazer perspectivas pedagógicas que fomentem a criação de soluções inovadoras e diferenciadas no ensino básico. Com a elevação da eficiência, pretende-se garantir o cumprimento das diretrizes da rede estadual – acesso, permanência e aprendizagem dos estudantes.
Ela informou que as três escolas escolhidas somam mais de 700 matrículas – antes do Somar, eram 630. Nessas unidades, o Ideb atingiu 4,4%, superando a média estadual. Ela quis tranquilizar, mas sem sucesso, o público do debate quanto a informações que considerou errôneas:
Somar vai privatizar escolas? Não. “Ele busca melhorar a gestão escolar com apoio das organizações sociais, mas as escolas continuarão públicas”.
Somar vai acabar com concursos públicos? Não. “Será implantado em apenas algumas escolas e as demais permanecerão públicas”. Ela destacou que o edital de expansão para cerca de 80 escolas foi suspenso pelo Tribunal de Contas do Estado. E comunicou que, se for liberada a ampliação, ela será discutida com a comunidade escolar.
Ao final de sua fala, estudantes vinculados ao movimento estudantil, protestaram contra o que consideram a privatização do ensino promovida pelo Somar.
Privatização indireta
Já a professora Neide Santos, da Faculdade de Educação da UEMG, afirmou que o projeto Somar caminha no sentido da privatização indireta, com a aplicação de princípios empresariais na educação pública. Doutora em Educação, com artigo publicado sobre o tema, ela questionou porque o governo não optou por melhorar a escola pública, injetando recursos, em vez de adotar projetos de privatização.
Sobre o trabalho dos docentes, disse que o Somar modifica sua forma de contratação, que passa a ser pela CLT, e não mais no regime estatutário. Num crescendo de precarização, afirma ela, a tendência é que o governo passe a responsabilizar o professor e o gestor da escola pelo resultado escolar, mas sem oferecer as condições de trabalho adequadas.
Balcão de negócios
Marcelle Dias, diretora do Sind-UTE-MG lembrou que a proposta de privatizar a educação começou com os chamados Carters schools, uma ideia de transformar a educação num grande balcão de negócios”. Criticando a subsecretária, ela contrapôs o que seria inovação de fato na educação: “Pagar o piso, valorizar os trabalhadores da educação; pra melhorar, não precisa privatizar”.
Por fm, Giulia Rocha, presidenta da União Colegial de Minas Gerais (UCMG), taxou de irresponsáveis o governador Romeu Zema (Novo) e o secretário de Estado de Educação, Igor Alvarenga. “Quem entende de educação somos nós, alunos, e os professores; não podemos entregar as escolas para empresários”, avaliou.