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Estudantes estrangeiros da Universidade de Harvard estão recusando estágios presenciais no Brasil por receio de não conseguirem retornar aos Estados Unidos devido às políticas migratórias do presidente Donald Trump. A decisão está afetando diretamente a ONG brasileira ImpulsoGov, que atua na capacitação de gestores públicos com foco no uso de dados e tecnologia. Segundo o fundador da organização, João Abreu, essa é a primeira vez, em seis anos de parceria com universidades norte-americanas, que candidatos rejeitam participar do programa de forma presencial. A situação levou a entidade a reformular sua estratégia e apostar no modelo de trabalho remoto para manter a colaboração internacional.
De acordo com Abreu, que tem mestrado em Políticas Públicas por Harvard, o cenário atual é inédito e preocupante. Ele relata que estudantes estrangeiros, inclusive aqueles que demonstraram interesse em contribuir presencialmente com a ONG, estão sendo desaconselhados a viajar para fora dos Estados Unidos, devido às restrições migratórias mais rígidas, já que não são cidadãos americanos. “Tenho mantido contato com o HIO [Escritório Internacional de Harvard] desde nossa última conversa, e todas as respostas deles até agora aconselham contra viagens nos próximos meses”, escreveu uma estudante indiana em resposta à proposta de estágio. “Eles quase sempre acabam dizendo que, se você quiser viajar, esteja preparado para uma situação em que talvez não permitam seu retorno.”
Até o momento, três estudantes já desistiram da oportunidade, sendo duas negativas recebidas por telefone. João Abreu compartilhou o relato nas redes sociais e reforça que entende a preocupação dos candidatos. “Nunca tinha acontecido nada parecido. Nem me sentiria confortável em insistir para o candidato vir”, afirma. Desde que iniciou os programas de estágio, a ImpulsoGov já recebeu alunos de instituições renomadas como a Universidade de Nova York (NYU) e Stanford. Nesta edição, a intenção era selecionar apenas estudantes de Harvard, priorizando candidatos que não fossem brasileiros nem norte-americanos.
O impacto da política migratória dos EUA vai além da decisão individual de estudantes. A própria Harvard tem enfrentado embates diretos com o governo Trump. A universidade perdeu US$ 2,2 bilhões em verbas federais e outros US$ 60 milhões em contratos governamentais após se posicionar contra diretrizes da gestão republicana. Em sua plataforma Truth Social, Trump classificou Harvard como uma “instituição de extrema esquerda e antissemita”, afirmando ainda que ela representa uma “ameaça à democracia” por supostamente acolher estudantes estrangeiros com “intenções de destruir o país”. A escalada de ataques vem gerando temor entre acadêmicos e estudantes estrangeiros, que veem a permanência dentro dos EUA como uma questão de segurança e estabilidade pessoal e profissional. Diante da nova realidade, a ImpulsoGov está adaptando seus processos e já negocia com os estudantes a realização de estágios em formato remoto.