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Uma cabeleireira transgênero de Minas Gerais viveu momentos de terror ao tentar entrar nos Estados Unidos e ser levada para a prisão de Guantánamo, em Cuba, conhecida internacionalmente por violações de direitos humanos. Tarlis Marcone de Barros Gonçalves, de 28 anos, natural de Alvarenga (MG), foi detida em fevereiro ao cruzar a fronteira entre o México e o Texas e, apesar de relatar que era mulher trans e se sentir insegura entre homens, foi mantida em celas masculinas por semanas, sem contato com a família ou assistência jurídica. O depoimento de Tarlis foi incluído em uma ação movida contra o governo Trump por organizações de direitos civis nos Estados Unidos.
De acordo com Tarlis, sua intenção ao entrar nos EUA era pedir asilo político, alegando perseguição por sua identidade de gênero. Para isso, pagou cerca de R$ 70 mil a um coiote e cruzou a fronteira pelo deserto, mas foi detida em El Paso e levada a um centro de detenção no Novo México. Lá, passou nove dias presa com 49 homens. “Falei várias vezes que era mulher trans e que não me sentia segura. Sofri assédio, mas ninguém fez nada”, contou. Ela ainda destacou que não pôde ligar para nenhum parente ou advogado durante esse período.
Sem aviso prévio, Gonçalves foi transferida com algemas nos pés, punhos e quadril, para Guantánamo, base militar americana em Cuba, tradicionalmente usada para presos acusados de terrorismo. Segundo seu depoimento, só descobriu onde estava ao desembarcar. “Fiquei desesperada. Achei que estavam me mandando de volta para o Brasil, não sabia o que iam fazer comigo”. A mineira relatou ter sido tratada com frieza pelos guardas e mantida sem qualquer explicação sobre sua situação. “Os guardas não me tratavam como se eu fosse humana”, disse. Após cinco dias em Guantánamo, foi levada para outro centro de detenção na Louisiana, onde, após insistir para não ficar com homens, foi isolada em uma cela solitária por 17 dias.
A brasileira afirma que chegou a passar fome, que a comida era escassa e que só saía da cela por 25 minutos de banho de sol. Foi nesse período que teve acesso a um tablet e conseguiu, finalmente, falar com a irmã, que vive em Alvarenga. “A gente só chorava. Minha mãe sofreu muito com tudo isso”, relatou. A história de Tarlis foi incluída em uma ação da ACLU (União Americana pelas Liberdades Civis) e do CCR (Centro para Direitos Constitucionais) que contesta a prática do governo americano de enviar imigrantes a Guantánamo. Desde o segundo mandato de Trump, ao menos 177 pessoas em situação semelhante foram levadas à prisão cubana.
Tarlis foi deportada no início de abril. Chegou ao Brasil algemada nos punhos e pernas. “Apertaram tão forte que fiquei dez dias com as pernas inchadas”, disse ela. Hoje, está de volta à casa dos pais e tenta se reerguer. “Meu sonho era construir meu salão de beleza e uma casa para os meus pais. Fiz dívidas para tentar viver com dignidade, não cometi crime algum”, desabafa. Segundo ela, durante a detenção, ouviu de funcionários que o governo americano “não reconhecia pessoas trans”. Diante disso, deixou um recado: “Trump tem família, tem filhos. Espero que ele nunca tenha uma filha trans e nunca passe o que eu e minha família passamos”.