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Uma travessia organizada pelo movimento Legendários La Conquista entre os dias 10 e 13 de abril invadiu, sem autorização, uma área protegida do Parque Estadual da Serra do Ouro Branco, em Minas Gerais. A ação aconteceu na região central do estado, a cerca de 110 km de Belo Horizonte, e provocou indignação de moradores e especialistas. De acordo com o Instituto Estadual de Florestas (IEF), órgão que administra a unidade de conservação, o grupo acampou ilegalmente e desrespeitou regras previstas no plano de manejo do parque, que proíbe esse tipo de atividade. O IEF afirma ainda que o movimento avisou sobre o evento com apenas dois dias de antecedência e entregou documentação incompleta — o que não é suficiente para liberar qualquer atividade em uma área ambientalmente sensível.
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A movimentação intensa de participantes, cerca de 400 homens, causou impactos visíveis e imediatos no ambiente e na comunidade próxima. Moradores da região relataram barulho intenso durante a madrugada, provocado por veículos que acessaram a área sem controle ou planejamento. Para participar do evento, cada integrante pagou R$ 1.400. O IEF informou que chegou a alertar os responsáveis sobre a irregularidade e pediu a interrupção da atividade no dia 11. Como o evento continuou, uma vistoria foi feita para registrar possíveis infrações ambientais, e um relatório está em fase de finalização.
O impacto da atividade na Serra do Ouro Branco também levantou preocupações entre profissionais do turismo e da conservação ambiental. Ian Belo, guia e condutor de turismo de aventura na região, criticou a forma como a travessia foi conduzida. Segundo ele, levar centenas de pessoas a uma área protegida sem controle adequado representa um risco ambiental real. “Quando você coloca, por dinheiro ou não, 400, 300 pessoas em uma montanha, você deve ser questionado. Não importa se é um evento de corrida de montanha, ou de escalada. O reflexo disso é você ter uma dificuldade na gestão do impacto dessas pessoas”, afirmou. Além disso, foram encontrados montes de lixo no local após a expedição, resíduos que só foram recolhidos no dia seguinte pelos próprios participantes, e que haviam sido encobertos com cal.
Especialistas alertam para o uso inadequado das unidades de conservação. Bernardo Machado Gontijo, professor do Departamento de Geografia da UFMG, explicou que áreas como o Parque da Serra do Ouro Branco só permitem atividades específicas, como pesquisa, ecoturismo e educação ambiental. “Nenhum deles se encaixa na atividade dos Legendários, que podem ser considerados terroristas ambientais”, afirmou o professor. Há, inclusive, estudos que limitam o número de pessoas por trilha, dependendo de suas características e do nível de preservação necessário, algumas só podem receber até 60 pessoas por dia. O excesso de visitantes compromete a fauna, a flora e o solo, além de gerar um passivo ambiental difícil de remediar.
Criado na Guatemala em 2015 e presente no Brasil desde 2017, o grupo Legendários promove expedições exclusivamente masculinas com a promessa de transformação espiritual e emocional em meio à natureza. Segundo os próprios organizadores, cada participante recebe um número e o “legendário número um” seria Jesus Cristo. Em 2025, o grupo planeja realizar 325 eventos, sendo mais da metade em território brasileiro. No entanto, mesmo com esse crescimento, a atuação do movimento tem sido marcada por controvérsias quanto ao respeito às normas ambientais. O IEF já confirmou que poderá aplicar advertências e multas aos responsáveis após a análise final do relatório da operação irregular na Serra do Ouro Branco. O Legendários La Conquista, responsável pela organização da travessia, ainda não se pronunciaram sobre a situação.